POR QUE ESTUDAR FILOSOFIA
E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO?
Vocês
que estão aqui presentes serão, daqui a alguns anos, professores. Escolheram
livremente dedicarem suas vidas ao Magistério e é de presumir-se que o fizeram
porque tem amor ao ensino. Daqui a alguns anos ser-lhes-ão confiados alunos
desejosos de aprender pelos motivos os mais diversos, ainda que nem sempre pelo
amor ao saber, e talvez possa caber a vocês despertarem em seus alunos esta
vocação. De qualquer maneira, considerando as poucas vantagens materiais que o
Magistério oferece atualmente, se nem sempre os alunos se dedicam ao
aprendizado por verdadeiro amor ao saber, é provável que muitos, ou pelo menos
alguns dos futuros professores tenham pelo menos um gérmen, uma semente do
verdadeiro amor ao ensino.
É
bastante provável, por causa disso, que verifiquem, ao iniciarem suas carreiras
como professores, que as condições, o modo, o método pelo qual pais, alunos e
diretores esperam que vocês ensinem não sejam os ideais para se obterem os
resultados que se espera que o professor alcance. Irão, pois, querer melhorar;
irão propor algumas pequenas mudanças, destas que são permitidas a cada início
de ano escolar a todo professor, tais como mudar o livro texto, mudar o sistema
de avaliação, mudar a didática das aulas. Mesmo assim, é possível que o
resultado ainda deixe muito a desejar. Talvez então venham a perceber que o
problema é mais profundo, que talvez não se trate apenas de uma questão de
métodos, mas também de objetivos.
Todo
professor pode mudar os objetivos a perseguir no início do ano letivo, dentro de
certos limites. Mas ir mais além destes já não seria possível, porque o
professor está vinculado, em seu trabalho, ao trabalho de todos os demais
professores que seus alunos já tiveram, que estão tendo e que terão no futuro,
dos quais, embora não saibamos de antemão os seus nomes, já sabemos
aproximadamente o que irão ensinar aos nossos alunos. Assim, os objetivos do
ensino no curso primário estão vinculados aos objetivos do ensino na
Universidade e vice versa. Ainda que a professora primária não se aperceba
disso e ainda que a maioria dos seus alunos não cheguem mesmo aos cursos
superiores, o ensino que ela é chamada a ministrar depende da concepção e dos
objetivos que estão por trás do ensino superior, e de muitas mais coisas que
parecem estar aparentemente além da função da professora primária propriamente
dita. Para reelaborar ou mesmo aprimorar os objetivos do ensino primário seria
necessário, portanto, reelaborar os objetivos do sistema educacional como um
todo. Poderíamos então perguntar se isto não poderia ser feito. Se não seria
possível propor uma concepção mais aprimorada para o sistema educacional
vigente.
Para
responder a esta pergunta, devemos primeiramente observar quatro pontos, quatro
aspectos que esta questão nos coloca e que ao mesmo tempo servirão para nos
dar um primeiro, mas ainda pequeno, vislumbre do motivo pelo qual estudar
Filosofia e História da Educação para a formação dos futuros professores.
Em
primeiro lugar, antes de propor uma nova concepção e novos objetivos para o
sistema educacional vigente, deveremos perguntar se realmente sabemos quais são
as concepções e os objetivos do sistema de ensino vigente no momento. Surge aí
uma primeira dificuldade e uma inesperada surpresa. Na sociedade moderna
praticamente ninguém e nenhum educador saberá responder exatamente a esta
pergunta. Ninguém sabe ao certo qual é o objetivo exato que o sistema
educacional vigente persegue. Pode parecer estranho que se faça uma afirmação
destas, ainda mais porque a Lei de Diretrizes e Bases da Educação tem uma
justificação oficial de motivos. Ademais, haverá ainda muitos outros que irão
supor que podem responder a esta pergunta. Mas, examinando mais detalhadamente
estas respostas, mesmo que seja a dos autores da Lei de Diretrizes e Bases,
submetidas a um exame mais rigoroso, iremos verificar que estas não são
respostas realmente satisfatórias. O sistema de ensino tal como existe hoje é
em grande parte produto de forças históricas, econômicas e sociais que nem
sempre operaram de modo consciente. De alguma maneira, o sistema atual de
ensino é este porque é isto que a sociedade em seu conjunto exige. Para
entendermos porque ele é assim e não diferente, e portanto, podermos pensar
mais realisticamente em modificá-lo a fundo, devemos então primeiro compreender
como ele se desenvolveu até chegar a este ponto; e esta história, conforme
veremos, tem aproximadamente, no nosso caso, cinco mil anos de duração.
Em
segundo lugar, não basta compreender por que o ensino é o que é; é necessário
também sermos capazes de compreender o que ele poderia ter sido ou como ele
poderá ser.Esta questão já não é mais histórica. Considerada em pequena escala,
considerada apenas em alguns aspectos, esta questão poderá ser talvez um
problema de didática, um problema de psicologia do aprendizado, ou de qualquer
outra disciplina técnica pedagógica. Mas, considerada em toda a sua amplitude,
a mesma questão passará a ser um problema fundamentalmente filosófico. Vamos
tomar um exemplo para ilustrar. No ensino nós formamos o homem; haverá também
quem pense que no ensino formamos igualmente a futura sociedade. Vamos deixar
este segundo aspecto de lado e ficar apenas no homem. No ensino nós formamos o
homem. O objetivo do homem é aquilo que é bom para o homem. Se é assim, porém,
o que é que é bom para o homem? Para respondermos a esta pergunta, teremos que
responder primeiro o que é o homem. A questão do objetivo do ensino, assim,
depende da questão da concepção do homem e esta é uma questão filosófica.
Qualquer educador que não perceber isto claramente, ao propor qualquer reforma
do ensino, fatalmente irá apresentar apenas reformas de métodos, nunca de
objetivos. Para propor uma reforma mais profunda, uma reforma que seja uma
contribuição e um progresso substancial para a sociedade, o educador terá que
compreender primeiro claramente qual é a concepção de homem que está implícita
no sistema vigente; depois, terá que compreender claramente quais seriam outras
possíveis concepções de homem; deverá também saber discernir qual delas
representa um progresso em relação às outras; somente a partir daí poderá
propor uma melhoria essencial na Educação.
Ora,
todas estas questões são questões filosóficas. Vemos, portanto, que a Filosofia
está longe de ser apenas uma diversão de espírito para o educador. Ao contrário,
é a própria base sobre a qual se assentam as possibilidades de um verdadeiro
progresso para o ensino. Enquanto o educador não se torna filósofo, ele é
simplesmente um instrumento inconsciente, quase que como um autômato controlado
pelas leis da Educação que, por sua vez, estão entregues à mercê de forças
históricas as quais muitas vezes, sob o disfarce do desenvolvimento
tecnológico, podem não ser mais do que a expressão de instintos primitivos da
natureza, da simples luta pela sobrevivência, em vez de uma verdadeira busca de
uma plena realização do homem.
Ao
chegarmos a este ponto, entra porém em cena uma terceira dificuldade.
Perguntamos por uma concepção de homem. Que seria isto, diremos nós, senão
perguntar coisas do seguinte tipo: O que é o homem? Por que ele existe? Com que
finalidade ele existe? Ora, se é isto mesmo, então parece que estas perguntas
não têm resposta. Nenhum de nós sabe respondê-las. Se perguntarmos aos nossos
conhecidos, aos nossos vizinhos, ao motorista do táxi, ao jornaleiro, ao
político, ao professor, também não o saberão dizer. Se abrirmos o jornal, a
revista semanal, se ligarmos o rádio ou a televisão, também não iremos
encontrar nenhuma resposta. Se insistirmos e exigirmos de todas estas pessoas
que respondam, nos darão respostas infantis, respostas que não saberão
justificar e das quais elas próprias não têm certeza. Ademais, nunca ouvimos
falar que tais respostas tivessem sido dadas, dirão vocês. A conclusão que
parece se tirar daí é que tais respostas não existem e que talvez nem possam
existir.
Que se
poderá a estas dificuldades? No momento, apenas que um estudo mais aprofundado
é capaz de mostrar que houve na História grandes mestres de Filosofia que
tentaram responder seriamente a tais perguntas e que, independentemente do
problema de se saber aqui se eles acertaram ou não, foram também capazes de
justificá-las de modo incomum. E que, talvez devido à profundidade de suas
respostas e às exigências particulares necessárias para compreendê-las, a
grande massa da humanidade, aquela que justamente acabou organizando o atual
sistema de ensino, não foi capaz de abarcá-las. O que significa que, se
queremos examinar tais problemas, será de fato inútil perguntar tais coisas a
colegas e a vizinhos, mas deveremos primeiro nos aproximar e estudar estes
grandes mestres com esforço e com paciência para procurar compreender bem a
profundidade do que eles nos quiseram transmitir. Então talvez poderá surgir
uma luz mais profunda em nosso espírito sobre os problemas da Educação.
Finalmente,
em quarto lugar, queremos adiantar aqui que este mesmo estudo mais detalhado da
História da Educação, paralelo ao da Filosofia, irá mostrar também que, apesar
da pouca compreensão que não só as grandes massas como também os responsáveis
pela Educação tiveram destes mestres, o trabalho destes grandes homens não foi
totalmente em vão. A maioria dos pontos positivos que houve na Educação e na
sociedade de todas as épocas, e inclusive na nossa, se deveu justamente àquele
pouco que foi historicamente assimilado de suas obras. Desta maneira, apenas um
conhecimento histórico não é suficiente para uma exata compreensão do estado
atual da Educação. É também necessário um conhecimento paralelo de Filosofia,
de outra forma a melhor parte, a parte mais nobre do desenvolvimento da
Educação escapará totalmente de diante de nossa vista, assim como toda a gama
de possibilidades que o trabalho do educador ainda pode ser chamado a
desenvolver.
Com
isto esperamos ter fornecido aos alunos alguma motivação preliminar com que ele
possa entrever o quanto é importante para o futuro educador um conhecimento
profundo de História e de Filosofia.
Notas de FHE