Acadêmicos,
cientistas e pesquisadores pedem cautela na unificação das 13 disciplinas do
ensino médio público nacional em quatro grandes áreas do conhecimento -
anunciada recentemente pelo Ministério da Educação (MEC). Pela proposta, prevista
para vigorar a partir do próximo ano, as disciplinas serão integradas em
ciências humanas, ciências da natureza, linguagem e matemática.
Temendo
eventuais frustrações, a maioria dos especialistas, ouvidos pelo Jornal da
Ciência, critica a proposta do ministério por ser "precipitada" e
sugere a criação de um debate na sociedade a fim de aperfeiçoar o projeto e
apresentar solução para os problemas crônicos do ensino médio nacional. Eles
entendem que a integração das disciplinas não seria a saída para melhorar
"a péssima" qualidade da educação básica do País.
Procurado,
o Ministério da Educação informou que tal proposta já foi discutida com a
sociedade, sobretudo com secretários estaduais de educação; e discordou de que
a proposta busque integrar ou eliminar qualquer disciplina. O que está em
curso, segundo o secretário de Educação Básica do MEC, Cesar Callegari, é o que
chamou de processo de "articulação" de disciplinas com outras áreas
do conhecimento, o qual será elaborado pelo sistema estadual de educação
baseado nas orientações do ministério.
Já os
especialistas temem que o ensino médio fique mais genérico e prejudique os
alunos, principalmente os menos favorecidos que não podem estudar em escolas
privadas. "A impressão que se tem é a de que, para evitar o problema
de evasão escolar, querem baixar medidas sem enfrentar as causas mais profundas
do ensino médio", alerta o físico Luiz Davidovich, diretor da Academia
Brasileira de Ciências (ABC), também professor da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ).
Reforçando
tal posição, o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), Ronald
Shellard, considera a proposta do MEC "um desastre para o País".
Shellard alerta que países desenvolvidos, como a Inglaterra, experimentaram
unificar as disciplinas do ensino médio sem sucesso. "A sorte é que eles
têm mecanismos rápidos para reverter uma decisão dessa magnitude",
observou.
Contrariedade - Pelo que entendem
os especialistas, a iniciativa do MEC contraria as novas diretrizes do ensino
médio aprovadas pelo Conselho Nacional da Educação (CNE) em maio de 2011 e que
foram estabelecidas na Resolução nº 2 publicada em janeiro deste ano.
Conforme
as normas aprovadas pelo colegiado do CNE, os componentes curriculares devem
ser organizados em quatro blocos, garantindo a permanência das 13 disciplinas.
Isto é, Linguagens, reunindo as disciplinas de línguas portuguesa, materna para
populações indígenas e estrangeira moderna; arte - em suas diferentes
linguagens (ciências, plásticas e musical) e educação física.
Outro
bloco é matemática, sozinha. Há também o bloco ciências da natureza que reúne
biologia, física e química. Outro é ciências humanas que abrange as disciplinas
de história, geografia, filosofia e sociologia.
Manobra - Na avaliação do
presidente da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), Vitor Francisco Ferreira,
a proposta do MEC de integração das disciplinas do ensino médio sinaliza uma
manobra em uma tentativa de "resolver a falta de profissionais" no
País. Conforme Ferreira, o governo deveria implementar a unificação das
disciplinas, apenas, a partir do momento em que for realizado um estudo
metodológico capaz de mostrar que esse modelo seria melhor do que o atual.
"Teria de haver uma discussão com a sociedade", recomendou Ferreira,
também professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Generalidade - Bernardete Gatti,
pesquisadora colaboradora da Fundação Carlos Chagas (FCC), com grande
experiência na área educacional, acredita que a tendência é de que o ensino
médio fique mais genérico e prejudicado diante da integração das disciplinas. "O
MEC, ao invés de atacar o problema principal que é a de formação de
professores, inventa mais uma moda", disse Bernardete que chamou de
"modismo" a integração das disciplinas.
Com a
mesma opinião, Jailson Bitencourt de Andrade, professor titular do Instituto de
Química da Universidade Federal da Bahia (UFBA), disse ser
"temerário" mudar primeiro o currículo para ajustá-lo depois.
"Sou favorável à inovação e às novas iniciativas, mas essa decisão, no
mínimo, é precipitada", acrescentou Andrade, ex-conselheiro da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e ex-presidente da SBQ.
Referência internacional - Em
defesa da valorização do magistério, Andrade enalteceu o programa do governo
dos Estados Unidos, lançado no início deste semestre, o qual apoia o ensino
fundamental em uma tentativa de recuperar a perda de competitividade dos
estudantes norte-americanos em relação aos asiáticos, principalmente. No
programa norte-americano, Andrade destacou os investimentos de US$ 1 bilhão
para a criação de forças de trabalho a fim de melhorar o ensino fundamental; e
o adicional de US$ 20 mil ao ano ao salário dos professores do ensino
fundamental.
A
presidente da SBPC, Helena Nader, também se mostrou contrária à unificação das
disciplinas. "Ainda que o conhecimento seja integrado, o estudo tem de ser
dado de forma desintegrada porque em algum momento haverá necessidade de se ter
todas as bases para formar o conhecimento integral", avaliou Helena,
reconhecendo que o Brasil vem se esforçando, desde 2009, para formar
professores qualificados para o ensino básico, em geral, principalmente pelos
programas da Capes.
O
ideal, sugeriu Helena, seria desenvolver temas no ensino médio que possam
interagir com todas as áreas do conhecimento, sem a integração, de tal forma
que o estudante possa entender a relação dos temas com cada disciplina. Ela
exemplifica: "Se o tema for água, o estudante pode estudar a ligação da
química com a água, estudar as relações da água com a física, com a matemática,
com a geografia, com história e a sociologia".
Outro lado - O secretário de
Educação Básica do MEC, Cesar Callegari, discorda de que a intenção do
ministério seja de eliminar ou integrar qualquer disciplina do ensino médio.
Nesse caso ele defende que cada disciplina tem sua base epistemológica
(filosofia do conhecimento) própria, tem linguagem própria e, portanto, deve
ser respeitada.
O que
está em curso, explica Callegari, é a criação de ambientes para viabilizar a
"articulação entre as diferentes disciplinas", medida que, na opinião
dele, representa um avanço por constituir uma "boa" orientação para
os sistemas estaduais de ensinos.
Callegari
discorda também de que as propostas do MEC tenham sido elaboradas sem a
realização de um debate. "As diretrizes avançadas representam a síntese de
um longo e profundo debate nacional conduzido pelo CNE durante o processo de
elaboração", disse ele, citando, além de membros do CNE, os secretários
estaduais de educação, conselhos estaduais de educação e representantes de
universidades. Nesse contexto, cientistas confirmam que as novas diretrizes
para o ensino médio do CNE foram construídas a partir de um debate com a
sociedade, o que não pode se dizer das propostas do MEC.
Conjunto de medidas - Callegari faz
questão de destacar que a chamada "articulação entre as diferentes
disciplinas" virá acompanhada de um conjunto de ações. Dentre as quais a
produção de livros e de material didático articulados, ampliação do Programa
Ensino Médio Inovador (Proemi), iniciado em 2009 e presente hoje em cerca de 2 mil
escolas nacionais, e que servirá de base para a modernização do currículo do
ensino médio público; e ampliação das linhas para formação continuada de
professores.
Medidas insuficientes - Tais
medidas são consideradas insuficientes. O que deve ser considerado prioridade
no ensino médio, segundo um professor de matemática da Universidade de São
Paulo (USP), que não quis ser identificado, são investimentos pesados na
qualificação de professores que possam preparar os alunos antes do ingresso nas
universidades, a redução do número de estudantes por sala de aula de 45, em
média, para 25, em média; e reajuste salarial do magistério. A fonte sugere
também viabilizar a importação de professores estrangeiros principalmente da
Europa, onde há forte desemprego em razão da crise econômica, em uma tentativa
de reduzir o déficit de profissionais qualificados no País.
Já o
acadêmico Isaac Roitman, professor da Universidade de Brasília (UnB) - que
comparou o atual modelo de ensino médio nacional a uma "tragédia" -
considera prioridade identificar os objetivos da educação básica no geral,
tanto do ensino médio como o do fundamental. Para ele, é importante traçar os
passos que os estudantes devem dar após a conclusão de cada grau de
escolaridade.
"Hoje
o indivíduo que conclui o ensino médio não está habilitado a nada. É apenas um
generalista não preparado para o mercado de trabalho", destacou Roitman,
membro titular da ABC e coordenador do Grupo de Trabalho de Educação da SBPC.
Outro
ponto criticado por Roitman é o processo pedagógico, que segundo ele, também
precisa de mudanças. "O conhecimento caminha numa velocidade rápida e a
pedagogia, desde o ensino infantil, precisa desafiar os alunos a pensar, a
refletir, a contestar, a criar, a transgredir", destacou Roitman.
Livros didáticos articulados - Além
de considerar precipitada a unificação das disciplinas do ensino médio, a
professora Lisbeth Kaiserlian Cordani, conselheira da SBPC, considera também
prematuras as metas do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2015 as quais
preveem a distribuição de livros e material didáticos articulados com outras
áreas do conhecimento.
"É
impossível atingir a meta. O Brasil não tem escritores para escrever esses
livros e não estão explícitos os possíveis escritores e atores que poderão
contemplar a interdisciplinaridade de textos para o ensino básico",
alertou.
Exceções - Dentre os
especialistas ouvidos pelo Jornal da Ciência, a exceção é do acadêmico Roberto
Leal Lobo e Silva Filho, professor titular aposentado do Instituto de Física de
São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) que considerou positiva a integração
das disciplinas do ensino médio. Ele considera negativa a pulverização de
disciplinas e avalia que a falha na educação brasileira é a ausência de ligação
do ensino com a prática. "Temos de acabar com o decoreba de definição da
definição".
Com o
tema em pauta, o Jornal da Ciência publica na edição de amanhã (27) a análise
de especialistas sobre a proposta do MEC que, segundo eles, deve ampliar o
déficit de docentes qualificados nas áreas de física, química e matemática.
Será publicada também a avaliação de secretários estaduais de educação.
(Viviane
Monteiro - Jornal da Ciência)
Fonte:
Jornal da Ciência