quinta-feira, 22 de setembro de 2016

ESPECIALISTAS PEDEM CAUTELA NA REFORMA CURRICULAR DO ENSINO MÉDIO

Acadêmicos, cientistas e pesquisadores pedem cautela na unificação das 13 disciplinas do ensino médio público nacional em quatro grandes áreas do conhecimento - anunciada recentemente pelo Ministério da Educação (MEC). Pela proposta, prevista para vigorar a partir do próximo ano, as disciplinas serão integradas em ciências humanas, ciências da natureza, linguagem e matemática.
Temendo eventuais frustrações, a maioria dos especialistas, ouvidos pelo Jornal da Ciência, critica a proposta do ministério por ser "precipitada" e sugere a criação de um debate na sociedade a fim de aperfeiçoar o projeto e apresentar solução para os problemas crônicos do ensino médio nacional. Eles entendem que a integração das disciplinas não seria a saída para melhorar "a péssima" qualidade da educação básica do País.
Procurado, o Ministério da Educação informou que tal proposta já foi discutida com a sociedade, sobretudo com secretários estaduais de educação; e discordou de que a proposta busque integrar ou eliminar qualquer disciplina. O que está em curso, segundo o secretário de Educação Básica do MEC, Cesar Callegari, é o que chamou de processo de "articulação" de disciplinas com outras áreas do conhecimento, o qual será elaborado pelo sistema estadual de educação baseado nas orientações do ministério.
Já os especialistas temem que o ensino médio fique mais genérico e prejudique os alunos, principalmente os menos favorecidos que não podem estudar em escolas privadas.  "A impressão que se tem é a de que, para evitar o problema de evasão escolar, querem baixar medidas sem enfrentar as causas mais profundas do ensino médio", alerta o físico Luiz Davidovich, diretor da Academia Brasileira de Ciências (ABC), também professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Reforçando tal posição, o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), Ronald Shellard, considera a proposta do MEC "um desastre para o País". Shellard alerta que países desenvolvidos, como a Inglaterra, experimentaram unificar as disciplinas do ensino médio sem sucesso. "A sorte é que eles têm mecanismos rápidos para reverter uma decisão dessa magnitude", observou.
Contrariedade - Pelo que entendem os especialistas, a iniciativa do MEC contraria as novas diretrizes do ensino médio aprovadas pelo Conselho Nacional da Educação (CNE) em maio de 2011 e que foram estabelecidas na Resolução nº 2 publicada em janeiro deste ano.
Conforme as normas aprovadas pelo colegiado do CNE, os componentes curriculares devem ser organizados em quatro blocos, garantindo a permanência das 13 disciplinas. Isto é, Linguagens, reunindo as disciplinas de línguas portuguesa, materna para populações indígenas e estrangeira moderna; arte - em suas diferentes linguagens (ciências, plásticas e musical) e educação física.
Outro bloco é matemática, sozinha. Há também o bloco ciências da natureza que reúne biologia, física e química. Outro é ciências humanas que abrange as disciplinas de história, geografia, filosofia e sociologia.
Manobra - Na avaliação do presidente da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), Vitor Francisco Ferreira, a proposta do MEC de integração das disciplinas do ensino médio sinaliza uma manobra em uma tentativa de "resolver a falta de profissionais" no País. Conforme Ferreira, o governo deveria implementar a unificação das disciplinas, apenas, a partir do momento em que for realizado um estudo metodológico capaz de mostrar que esse modelo seria melhor do que o atual. "Teria de haver uma discussão com a sociedade", recomendou Ferreira, também professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Generalidade - Bernardete Gatti, pesquisadora colaboradora da Fundação Carlos Chagas (FCC), com grande experiência na área educacional, acredita que a tendência é de que o ensino médio fique mais genérico e prejudicado diante da integração das disciplinas. "O MEC, ao invés de atacar o problema principal que é a de formação de professores, inventa mais uma moda", disse Bernardete que chamou de "modismo" a integração das disciplinas.
Com a mesma opinião, Jailson Bitencourt de Andrade, professor titular do Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia (UFBA), disse ser "temerário" mudar primeiro o currículo para ajustá-lo depois. "Sou favorável à inovação e às novas iniciativas, mas essa decisão, no mínimo, é precipitada", acrescentou Andrade, ex-conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e ex-presidente da SBQ.
Referência internacional - Em defesa da valorização do magistério, Andrade enalteceu o programa do governo dos Estados Unidos, lançado no início deste semestre, o qual apoia o ensino fundamental em uma tentativa de recuperar a perda de competitividade dos estudantes norte-americanos em relação aos asiáticos, principalmente. No programa norte-americano, Andrade destacou os investimentos de US$ 1 bilhão para a criação de forças de trabalho a fim de melhorar o ensino fundamental; e o adicional de US$ 20 mil ao ano ao salário dos professores do ensino fundamental.
A presidente da SBPC, Helena Nader, também se mostrou contrária à unificação das disciplinas. "Ainda que o conhecimento seja integrado, o estudo tem de ser dado de forma desintegrada porque em algum momento haverá necessidade de se ter todas as bases para formar o conhecimento integral", avaliou Helena, reconhecendo que o Brasil  vem se esforçando, desde 2009, para formar professores qualificados para o ensino básico, em geral, principalmente pelos programas da Capes.
O ideal, sugeriu Helena, seria desenvolver temas no ensino médio que possam interagir com todas as áreas do conhecimento, sem a integração, de tal forma que o estudante possa entender a relação dos temas com cada disciplina. Ela exemplifica: "Se o tema for água, o estudante pode estudar a ligação da química com a água, estudar as relações da água com a física, com a matemática, com a geografia, com história e a sociologia".
Outro lado - O secretário de Educação Básica do MEC, Cesar Callegari, discorda de  que a intenção do ministério seja de eliminar ou integrar qualquer disciplina do ensino médio. Nesse caso ele defende que cada disciplina tem sua base epistemológica (filosofia do conhecimento) própria, tem linguagem própria e, portanto, deve ser respeitada.
O que está em curso, explica Callegari, é a criação de ambientes para viabilizar a "articulação entre as diferentes disciplinas", medida que, na opinião dele, representa um avanço por constituir uma "boa" orientação para os sistemas estaduais de ensinos.
Callegari discorda também de que as propostas do MEC tenham sido elaboradas sem a realização de um debate. "As diretrizes avançadas representam a síntese de um longo e profundo debate nacional conduzido pelo CNE durante o processo de elaboração", disse ele, citando, além de membros do CNE, os secretários estaduais de educação, conselhos estaduais de educação e representantes de universidades. Nesse contexto, cientistas confirmam que as novas diretrizes para o ensino médio do CNE foram construídas a partir de um debate com a sociedade, o que não pode se dizer das propostas do MEC.
Conjunto de medidas - Callegari faz questão de destacar que a chamada "articulação entre as diferentes disciplinas" virá acompanhada de um conjunto de ações. Dentre as quais a produção de livros e de material didático articulados, ampliação do Programa Ensino Médio Inovador (Proemi), iniciado em 2009 e presente hoje em cerca de 2 mil escolas nacionais, e que servirá de base para a modernização do currículo do ensino médio público; e ampliação das linhas para formação continuada de professores.
Medidas insuficientes - Tais medidas são consideradas insuficientes. O que deve ser considerado prioridade no ensino médio, segundo um professor de matemática da Universidade de São Paulo (USP), que não quis ser identificado, são investimentos pesados na qualificação de professores que possam preparar os alunos antes do ingresso nas universidades, a redução do número de estudantes por sala de aula de 45, em média, para 25, em média; e reajuste salarial do magistério. A fonte sugere também viabilizar a importação de professores estrangeiros principalmente da Europa, onde há forte desemprego em razão da crise econômica, em uma tentativa de reduzir o déficit de profissionais qualificados no País.
Já o acadêmico Isaac Roitman, professor da Universidade de Brasília (UnB) - que comparou o atual modelo de ensino médio nacional a uma "tragédia" - considera prioridade identificar os objetivos da educação básica no geral, tanto do ensino médio como o do fundamental. Para ele, é importante traçar os passos que os estudantes devem dar após a conclusão de cada grau de escolaridade.
"Hoje o indivíduo que conclui o ensino médio não está habilitado a nada. É apenas um generalista não preparado para o mercado de trabalho", destacou Roitman, membro titular da ABC e coordenador do Grupo de Trabalho de Educação da SBPC.
Outro ponto criticado por Roitman é o processo pedagógico, que segundo ele, também precisa de mudanças. "O conhecimento caminha numa velocidade rápida e a pedagogia, desde o ensino infantil, precisa desafiar os alunos a pensar, a refletir, a contestar, a criar, a transgredir", destacou Roitman.
Livros didáticos articulados - Além de considerar precipitada a unificação das disciplinas do ensino médio, a professora Lisbeth Kaiserlian Cordani, conselheira da SBPC, considera também prematuras as metas do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) de 2015 as quais preveem a distribuição de livros e material didáticos articulados com outras áreas do conhecimento.
"É impossível atingir a meta. O Brasil não tem escritores para escrever esses livros e não estão explícitos os possíveis escritores e atores que poderão contemplar a interdisciplinaridade de textos para o ensino básico", alertou.
Exceções - Dentre os especialistas ouvidos pelo Jornal da Ciência, a exceção é do acadêmico Roberto Leal Lobo e Silva Filho, professor titular aposentado do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) que considerou positiva a integração das disciplinas do ensino médio. Ele considera negativa a pulverização de disciplinas e avalia que a falha na educação brasileira é a ausência de ligação do ensino com a prática. "Temos de acabar com o decoreba de definição da definição".
Com o tema em pauta, o Jornal da Ciência publica na edição de amanhã (27) a análise de especialistas sobre a proposta do MEC que, segundo eles, deve ampliar o déficit de docentes qualificados nas áreas de física, química e matemática. Será publicada também a avaliação de secretários estaduais de educação.

(Viviane Monteiro - Jornal da Ciência)

Fonte: Jornal da Ciência

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