A manhã da quinta-feira (8) trouxe um misto de perplexidade
e tristeza para a população brasileira. Na quarta-feira (7), o Supremo Tribunal
Federal decidiu, por 6 votos a 3, pela manutenção de Renan Calheiros no cargo
de Presidente do Senado Federal. Muitos aspectos se retiram desta decisão e é
preciso calma para entender o que de fato aconteceu. Para entender a sequência
de fatos que levou até a decisão precisamos voltar até o dia 5 de maio, quando
o Supremo decidiu afastar da presidência e suspender o mandato de Eduardo
Cunha. Independentemente de a consequência ter agradado a opinião pública
juridicamente, o que tivemos foi a inauguração de jurisprudência em descompasso
com os ritos processuais e constitucionais adequados.
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Não se
trata de defender nenhum envolvido em crimes de corrupção e muito menos de
compactuar com seus atos. Existem regras feitas justamente para combater esse
tipo de conduta e a não eficiência delas deve ser combatida. Contudo, há um motivo claro para a
necessidade da obediência de regras que é a imposição de limites de atuação aos
atores que a elas obedecem. A partir do momento em que, para atender meus interesses
pessoais, por mais nobres que eles possam ser, eu subverto o sistema a meu
favor, choques de poder ocorrem. Após a decisão sobre Cunha, foi criado um
precedente duplo.
O
Supremo se outorgou poder para retirar, conforme seu juízo de conveniência,
parlamentares do exercício de seu mandato. Assim, outra ação foi proposta (ADPF
402) para determinar se parlamentares na linha de substituição do Presidente da
Republica poderiam ser réus no STF ou não.Essa ação começou a ser julgada em novembro
deste ano e a maioria dos ministros já havia se pronunciado em sentido de
impedir que parlamentares, que sejam réus, ocupassem o cargo de Presidente da
República na ausência deste. Porém, o julgamento foi paralisado pelo Ministro
Dias Toffoli que pediu vistas (tempo extra para analisar o caso).
Nesse
meio tempo, no início de dezembro, Reina Calheiros virou réu no STF e,
considerando a possibilidade do mesmo ocupar a cadeira da Presidência da
República, o partido “Rede Solidariedade” (autor da ADPF 402) entrou com um
pedido cautelar (de urgência) para que Renan fosse impedido de ocupar tal
função e que perdesse o cargo de Presidente do Senado, por interpretarem ser
possível estender a decisão, ainda não tomada, a essa possibilidade. Aqui vale
ressaltar a inexistência de respaldo jurídico para tanto.
Não
havia regras no sentido que o Supremo estava aplicando, apenas sua
interpretação que, embora muito importante face a sua posição como Corte
Constitucional, não poderia criar normas. Ainda, existem métodos pelo qual
Renan poderia ser retirado de seu cargo caso tivesse cometido crimes, porém,
isso necessitaria que os membros do Senado assim o determinassem e por uma
conjuntura política isso aparenta ser bem improvável. Na noite do dia 6 de
dezembro o Ministro Marco Aurélio Mello recebeu o pedido de cautelar e decidiu
monocraticamente (sozinho) pela procedência do mesmo.
Processualmente o Ministro tem poder para fazer isso, considerando que a
decisão é provisória e precisa ser referendada ou anulada pelo Plenário da
Corte em momento posterior. A decisão gerou caos político, considerando o
momento delicado em que o atual governo tenta aprovar diversas medidas de
reforma social (Como a PEC 55 e a reforma de Previdência), a decisão travou o
Senado que não soube como se comportar frente a decisão. Acuado Renan se reuniu
com outros Senadores e por meio da Mesa do Senado Federal, "decidiu"
que não acataria a decisão até o pronunciamento do Plenário do STF.
Aqui,
temos uma segunda aberração. Embora o Supremo estivesse se excedendo em seus
poderes e ultrapassando diversos limites Constitucionais, o não acatamento de
decisão judicial é crime. Renan teria todo o direito de se defender e
resguardar sua posição durante o julgamento do pleno, mas ao desacatar a
decisão ele elevou o conflito de uma briga jurídica para um verdadeiro conflito
de instituições onde o Senado se opôs de modo frontal ao Supremo. Finalmente,
no em 7 de dezembro julgamento do Plenário ocorreu. O descumprimento da ordem
judicial não foi esquecido, mas os ministros se limitaram a dar
"broncas" no Senado intercaladas em seus votos. Ainda, muita roupa
suja foi lavada com diversas cutucadas entre ministros sendo a principal feita
pelo Ministro Teori Zavacki de modo indireto ao Ministro Gilmar Mendes que
havia considerado que a decisão de Marco Aurélio seria motivo para o
impeachment do Ministro e ainda o considerou como "louco".
O
julgamento chegou a ser interrompido logo após o voto inflamado do Ministro
Marco Aurélio que clamou para que os demais ministros "cada qual senhor de
uma biografia, senhor da busca da credibilidade, do fortalecimento do Supremo
como instituição maior, autor da história a constar dos anais do Tribunal, cumpra
o dever decorrente da cadeira ocupada prestando contas a história, as gerações
futuras, implacáveis testemunhas".
Na volta do intervalo, a ordem de votação foi subvertida e o
decano, Ministro Celso de Mello, fez um voto conciliador e moderado no sentido
de manter a impossibilidade de que Renan ocupe a cadeira de Presidente da
República, mas o mantendo como Presidente do Senado. O Ministro foi acompanhado
pela maioria da Corte deixando Marco Aurélio, Rosa Weber e Edson Fachin como
votos vencidos. Dizer quem ganhou ou perdeu essa decisão é tema para outro
artigo. O que podemos tirar dessa decisão que as instituições saíram
extremamente fragilizadas, tanto o Senado sai sendo visto como permissivo com
atitudes antiéticas quanto o Supremo vê sua autoridade questionada e sua imagem
abalada. No fim, a crise se aprofunda entre o Legislativo e o Judiciário e
Temer, representante máximo do Executivo, aparenta seguir tão decorativo quando
ainda era apenas um vice-presidente.
Fonte: http://www.msn.com/pt-br/noticias/crise-politica/o-que-aconteceu-com-o-stf-no-julgamento-de-renan-calheiros/ar-AAlkpyh?li=AAggXC1&OCID=CALHeader#image=AAljZGv|6.